segunda-feira, 12 de julho de 2010

Longe

Alice Prina
Sentia tanto calor que teve de se estender.
Lembrou-se de quando era criança em Silves.
Do calor.
Assaltaram-na memórias dos cheiros, das cores, de situações.
Do calor que soprava forte na Arrochela e da frescura do chão e das paredes caiadas da casa da avó que lhe serviam de abrigo.
Das casas pobres de Silves.
Uma porta, às vezes uma janela, e um quintal atrás, ou nem isso.
Em todas estas casas havia meninas, com quem só tinha autorização de brincar muito pouco.
As mães andavam por ali, e ao fim da tarde sentavam-se às portas, com um pano no regaço a golpearem as rolhas de cortiça, enquanto os miúdos descalços e, alguns semi-nus, corriam pelas travessas e ruelas, até chegarem à Mata.
Era o delírio.
Apercebiam-se, então, da sua ausência, e apressavam-se a ir buscá-la para lhe dizerem mais uma vez que uma menina não se comportava assim.
Corria como uma flecha pelas escadas acima até se debruçar no murete da açoteia e ir até onde o seu olhar chegava,
longe.

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